DEVER INALIENÁVEL – Cabe ao Estado resguardar direito de imagem de presos

Por João Vieira Neto e Antonio Tide Tenório A.M. Godoi

Presos do complexo penitenciário do Curado, no Recife, foram expostos, em rede nacional, utilizando celulares e facas. A cena pitoresca de gladiadores vis travando contenda no pátio é emblemática e mostra a falência do sistema. Muitos assistiram ao vídeo com a sensação de animalização das pessoas e se perguntaram como o Estado permite tamanha “liberdade” numa penitenciária. Nós, além de tal questionamento, perguntam-nos sobre os direitos e deveres dos presos provisórios, como é o caso, dentre eles, o direito de imagem, porque estariam sob o manto, guarda e proteção do Estado-Poder.

Sabe-se que à luz do artigo 5º, inciso X, da Carta Cidadã de 1988: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, sendo tal medida constitucional adequada, também, aos presos, pois o inciso XLIX assegura-lhes o respeito à integridade física e moral. Nesse sentido, o artigo 41, inciso VIII, da Lei 7.210/84 dispõe, no rol de direitos, a “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”, muito embora não exista presídio adequado ao idealismo programático da legislação em vigor.

Pois bem, é inegável que a Carta Magna assegura a inviolabilidade à honra e à imagem e, noutro ponto, prevê o direito a indenização para essa violação. Veículos de comunicação, face à crescente empreitada tecnológica por comunicação e fins eminentemente econômicos/publicísticos, a exemplo da matéria jornalística veiculada, tratou de regalias e da completa ausência de fiscalização por parte do sistema penitenciário, no chamado, até então e somente, Presídio Aníbal Bruno.

Mesmo em casos como o noticiado, não se pode, à margem da legislação posta, vilipendiar direitos, que deveriam ser resguardados pelo próprio Estado, em prol, de, inevitavelmente, garantir divulgação de imagens intramuros de reclusos, em situação de extrema insegurança. Desse modo, a ordem de deveres é invertida ao tempo em que, o sensacionalismo e a exploração comercial perseguem apenas a venda de jornais ou pontos no Ibope.

O Superior Tribunal de Justiça atento às violações de uso de imagem editou súmula (403) com a seguinte redação: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”, norteando-se em diversos precedentes, dentre eles: Resp 270.730, 3ª Turma e Resp 1.200.482, 4ª Turma. Nessa senda, se até mesmo a utilização de fotografia em peça denunciatória é ilegal, muito mais o é o uso da imagem dos custodiados, seguindo o profuso entendimento do Ministro Og Fernandes, nos autos do HC 88.448[1], quando ressalta: “A meu sentir, a inserção da fotografia do acusado na vestibular viola, de fato, diferentes normas constitucionais, dentre as quais destaco o direito à honra, à imagem e também o princípio matriz de toda a ordem constitucional: o da dignidade da pessoa humana.”

A limitação das matérias jornalísticas (publicidade em geral) está no jus narrandi, ao passo que a divulgação da imagem vai além, toma outros horizontes e ultrapassa todas as fronteiras, principalmente, com o advento da internet e das redes sociais, inclusive, expõe, in casu, expôs, o próprio Estado ao ponto de um Secretário de Estado, simplesmente, pedir demissão em caráter irrevogável.

Pode-se imaginar que as imagens devem ser divulgadas a fim de demonstrar as mazelas do sistema penitenciário, entretanto, os reclusos ali expostos à mídia, sem exceção, estavam alheios aos prejuízos de ver sua figura (publicidade específica) ou filmagem ser exposta em meios sensacionalistas, podendo ser perseguidos e sofrer retaliações.

Sobre o tema, Renato Marcão dispõe que: “o Direito, é certo, que deverá ser interpretado tomando-se por base sua condição de pessoa humana, ainda que seja às restrições permitidas no ordenamento jurídico. É preciso ter lógica e coerência na intepretação das regras proibitivas, seja para impedir ou permitir a prática de determinada conduta.”[2]

Anota o artigo 20, do Código Civil, à exceção, quando prevê a necessidade de autorização de exposição à imagem ou, não se adequando ao momento, quando a divulgação de imagem atender ao interesse da Administração da Justiça ou, ainda, se for importante para as questões de ordem pública.

Não é o caso, em nossa opinião, de prevalência e supremacia do interesse público, em virtude de haver colisão entre os direitos de quem será assistido pelo próprio Estado e a exploração midiática, sem autorização prévia, dos que serão expostos, para fins midiáticos, indistintamente, e sem amparo legal.

Inclusive, o fiscal da lei (Ministério Público Federal) casuisticamente, há algum tempo, no estado vizinho da Paraíba, expediu recomendação 09/2009, em que proíbem presos ou pessoas sob a guarda do Poder Estatal a manterem contato com a impressa, salvo se houver consentimento. A referida norma é objeto de Ação Cível Originária 1.518, em tramitação junto à Suprema Corte[3], sem resolução de mérito, porquanto a exposição pública destes é, inegavelmente, abusiva e contra legis.

Assim, parece óbvio que o direito de imagem do preso repousa sob a lógica de que o sistema penitenciário, em detrimento de sua exploração sensacionalista, no ambiente de cárcere, sobretudo, busca preservar um direito individual, manter a ordem jurídica, assegurar limites às ações e legitimidade ao próprio Poder Público sem, portanto, permitir colisões entre direitos fundamentais, resguardando a imagem do seu custodiado como dever inalienável e indelegável.

[1] STJ – HC 88.448, 6ª T., MINISTRO OG FERNANDES, j. 06.05.2010, p. 02.08.2010.

[2] MARCÃO, Renato Flávio. Curso de execução penal, Saraiva: São Paulo, 2004, p. 30.

[3] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=120547&caixaBusca=N

Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-jan-20/cabe-estado-resguardar-direito-imagem-presos