O intitulado crime do colarinho branco, por espécie, é tratado com maior interesse estatal, em razão da tecnologia empregada no seu combate, de difícil persecução, com autores ou partícipes de elevada qualificação, inclusive, com posição econômica privilegiada. Decerto, essa nomenclatura, no sítio da criminologia, foi definida com maestria, inicialmente, pelo norte-americano Edwin Sutherland, onde os respeitáveis engravatados, de alto status social, no mundo empresarial e corporativo, fraudavam o sistema financeiro, com informações privilegiadas, utilizando de indumentária bastante peculiar, em meados de 1940.
Não fosse isto, no Brasil, tal definição toma significado similar, pois é ato delituoso praticado, na maioria das vezes, por pessoa de elevada respeitabilidade, portando posição privilegiada sócio econômica, sem violência ou grave ameaça, com ganhos consideráveis, ao se utilizarem de métodos sofisticados e transações financeiras complexas dificultando, assim, a busca da responsabilização criminal, iniciando essa equiparação epistemológica nos idos de 1986, com a Lei 7.492, e posteriormente aderida a Lei nº 8137/90 (de Sonegação Fiscal).
Assim, o direito penal econômico tomou lugar de destaque, sobretudo diante de um estado de coisas onde o Poder Estatal implementou uma cruzada de forças para combater as infrações contra a ordem tributária, econômica e a lavagem de dinheiro, principalmente quanto à supressão ou omissão de tributos, em sanha punitivista e arrecadadora, repreendendo fortemente desmandos atrelados a estas condutas, com a utilização de ferramentas coercitivas à quitação de créditos transversamente através de operações policiais midiáticas.
Lado outro, gerada numa ideologia pós Constituição Republicana, ganhou maior sentido a salvaguarda da arrecadação tributária, sobretudo a fim de combater ações ilícitas lastreadas em meandros normativos de grande dificuldade investigativa, à mercê do sigilo fiscal, princípio da dignidade da pessoa humana, complexidade das transações financeiras, aparelhamento dos entes fiscalizadores e diante da obrigação de preservar informações ditas confidenciais.
Contudo, hodiernamente, o Estado utiliza-se do Direito Penal Econômico como forma de cobrar os contribuintes e, consequentemente, arrecadar tributos ou reduzir a sua evasão, sonegação e desvio, aplicando a malsinada singelamente responsabilidade (objetiva) à pessoa física na condição de sócio constituído em contrato social, seja o diretor ou administrador, repreendendo o sujeito passivo, simplesmente, pelo débito e não comprovação efetiva de sua culpabilidade, inobstante fazer-se necessário o conhecimento e a intenção do agente em realizar o tipo penal, pois nem sempre uma inscrição de dívida ativa lastreará o ilícito penal e, para tanto, o nexo de causalidade da conduta ao resultado da ação.
As garantias constitucionais deverão sempre forrar as ações penais relacionadas a delitos contra a ordem tributária, pois o viés arrecadatório não poderá se sobrepor aos direitos do imputado, até porque tornar uma simples certidão de dívida ativa, seja por atropelos na gestão, por inexigibilidade de conduta diversa ou simplesmente a falta de pagamento dos tributos, em ato criminoso punido com extremo rigor, além de multa e juros exorbitantes, é extrapolar os limites da razão social. Contra o Estado não tem vez!
Ainda, importa consignar, haverá ausência de interesse estatal em cobranças de valores inferiores a R$ 20.000,00, face a incidência do princípio da bagatela, por revisão aos parâmetros fixados nas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, agora, em segurança jurídica, tal matéria consolidada está atrelada ao Tema 157 do STJ, sob a relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior.
Há facilitação do adimplemento de crédito tributário existente e não quitado, em razão do asseguramento de eventuais programas de parcelamento, a exemplo do REFIS e PERT. Destaque-se, à luz do art. 9º, da Lei nº 10.684/2003, o sobrestamento do processo penal só ocorrerá se tal adesão anteceder a apresentação da denúncia pelo Ministério Público, além disto, com a quitação do quantum estimado haverá a extinção da punibilidade em qualquer momento processual.
Senão fosse por isto (pior), em guinada jurisprudencial – é o maior alerta – o STJ encarou o mero inadimplemento do crédito tributário como crime listado no art. 2º, II, da Lei nº 8.317/90, servindo de base para as Procuradorias e Promotorias realizarem cobranças constritivas de adimplemento de mero débito por intermédio de ações penais.
Assim, em um juízo de reflexão ao contexto de política criminal no Brasil, frise-se, restará impossível o parcelamento posterior ao oferecimento da denúncia como forma de suspender a ação penal, o mero inadimplemento constitui (agora) crime, a extinção do delito de sonegação fiscal anterior não impede a responsabilização do delito de lavagem de dinheiro, inobstante a espetacularização de operações policias pautadas em relação de crédito e, por fim, a incriminação direta dos sócios por serem apenas administradores revelam, de fato e de direito, endurecimento estatal punitivo.