Por Hélcio França e João Vieira Neto
O limiar da discussão que se explanará adiante se encontra fundamentada em três pontos distintos, quais sejam: As restrições trazidas pela hedionda lei dos crimes hediondos, a legislação de execução penal e a súmula 698 editada pelo Supremo Tribunal Federal.
O aparato proibitivo colacionado na Lei de nº 8.072/90, acerca da insuscetibilidade de liberdade provisória nos crimes por ela versada, vem sendo assiduamente combatido e relegado em pareceres e decisões das mais diversas instâncias, destacando-se, principalmente, a total e evidente inconstitucionalidade do referido dispositivo, quando disciplina de maneira conflituosa e contrária à Constituição Federal da República, negando um direito público e subjetivo de liberdade garantido pela Magna Carta.
A Lei de Execuções Penais (Lei nº 7210/84), mesmo considerando-a, talvez, retrógrada, jamais trouxe em seu bojo qualquer distinção acerca da progressão de regime em determinados delitos, ressaltando inclusive que do atual projeto reformatório da mencionada lei — projeto nº 5075/2001 — não consta qualquer intuito nesse sentido, existindo apenas a intenção do legislador em se modificar o lapso temporal a ser percorrido para a obtenção de tal benefício, passando de 1/6 da pena a ser cumprida, para 1/3.
Em sentido diametralmente oposto aos princípios libertários da novel Constituição e ao objetivo primordial de uma execução de pena, que é, sem dúvida alguma, a ressocialização, exsurge a Súmula 698 do STF que, na reunião de vários julgados no mesmo sentido, emana: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.
Ocorre que da mesma forma como foi editada a supra citada Súmula, poderia também, em prol das diversas decisões favoráveis à progressão de regime em crimes hediondos, ser produzida uma súmula admitindo a instituição de tal benefício, quando, aí sim, estariam sendo perseguidos os fins sociais colimados a uma plena e eficaz execução penal.
Há que se refletir, todavia, diante do acima exposto e frente à lamentável situação penitenciária nacional, se seria justo e correto encarcerar um indivíduo em regime totalmente fechado, no caso dos crimes considerados hediondos, segregando-o de um direito imprescindível para sua reabilitação e para a manutenção de um sistema que deveria estar direcionado para a inserção de tal pessoa no convívio social e também no mercado de trabalho.
Esse entendimento, inclusive, foi explanado pelo art. 1º, § 7º, da Lei de Tortura (Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997), onde contempla somente o início de cumprimento da pena em regime fechado, enquanto o art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) determina o regime fechado durante todo o período de execução.
No entanto, a jurisprudência tem admitido a progressividade do cumprimento da pena destes crimes, quando o juizo singular, ao sentenciar o acusado, transcrever dizendo que o regime se iniciará no regime fechado, abrindo-se margem a tal interpretação benéfica ao sentenciado, como há muito vêm sendo adotado, brilhantemente, pelas Varas de Execução Penal do Estado de Pernambuco.
Contudo não deixou por demonstrar a concessão da progressão de regime da pena imposta, quando o magistrado assegurar, ante as circunstâncias favoráveis trazidas aos autos, que o réu cumprirá a pena em regime inicialmente fechado, deverá haver o deferimento da progressão, como demonstra entendimento do ministro Ilmar Galvão, HC nº 82.698-9/MT, j. 27.12.02, a saber:
“2.Contudo, embora tratando-se de cumprimento de pena em regime fechado, se o juiz fez literalmente constar na sentença condenatória que o réu cumprisse inicialmente a pena no regime fechado, e tendo essa decisão transitada em julgado não há como reformá-la sob pena de violação ao princípio da ne reformatio in pejus.
3. A sentença trânsita em julgado que aplica o direito à espécie, bem ou mal, não mais pode ser revista pelo Tribunal ad quem quanto à possibilidade de progressão de regime concedida ao paciente, nem tampouco ao juiz que a lavrou explicitar sua intenção, ao asseverar o regime inicialmente fechado da pena.
4. Faz jus assim o paciente à progressão, obedecidos os critérios e requisitos subjetivos e objetivos do art. 112 e seu parágrafo único da Lei de Execução Penal.
5.Habeas corpus conhecido e deferido.”(Boletim IBCCRIM, ano 11, nº 124, Março de 2003, p.684)
Em determinando o juizo a quo que a pena será cumprida em regime inicialmente fechado, fica impossibilitado o Tribunal, diante do princípio da ne reformatio in peius, de negativar a progressão de regime, caso haja recurso por parte do órgão acusador.
Ademais, não tem a Súmula 698 do STF efeito vinculante, pois é uma compilação de julgados no intuito de ressaltar qual o entendimento sobre determinado assunto, porém, da mesma forma, existem diversas outras decisões como a supra mencionada, contrárias ensejando ante as circunstâncias processuais ao magistrado expor sobre o cumprimento em regime da pena inicialmente ou inicial fechado aos crimes hediondos, quando da prolação sentencial.
Diante ao exposto, considerando a discussão trazida, é bem verdade que a Lei nº 8.072/90 explicita a forma da execução punitiva estatal aos condenados em suas hipóteses, mas caberá ao magistrado, quando do seu exercer funcional, fixar a pena e o modo a ser cumprida, pois há de ser feita, acima de tudo, Justiça e não ser apenas seguido o que dizem as letras frias e mortas da Lei.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2004-fev-02/juizes_nao_apenas_seguir_letras_frias_lei